Hoje, dia 17.10.2019, foi publicada a Medida Provisória nº 899/2019, que dispõe sobre a transação tributária para resolução de litígios. Se aprovada, será a primeira lei federal a concretizar tal instituto, previsto no artigo 171 do Código Tributário Nacional há 53 anos.
A celebração da transação, que dependerá de juízo de oportunidade e conveniência da União, tem como premissa o atendimento ao interesse público, devendo observância, ainda, aos princípios tributários, processuais e aqueles dirigidos à Administração previstos na Constituição Federal, dentre eles, capacidade contributiva, razoável duração do processo, moralidade e eficiência.
Poderão ser transacionados, basicamente, débitos não inscritos em dívida ativa administrados pela RFB e também os inscritos administrativos pela PGFN (há permissão para débitos das autarquias e das fundações públicas federais, com ressalvas).
A primeira modalidade de transação, proposta pela PGFN, de forma individual ou por adesão, ou pelo contribuinte, diz respeito aos débitos inscritos em dívida ativa. Regra básica é a exposição, na proposta, dos meios para a extinção do crédito. Os incisos I a III do artigo 4º da MP trazem outras ressalvas, como a condição de não haver alienação ou oneração de bens ou direitos sem a devida comunicação ao Fisco.
Destaca-se o inciso IV do mencionado artigo, que impõe a renúncia a quaisquer alegações de direito sobre os quais se fundam as ações judiciais, assim como a sua extinção com resolução de mérito.
Permite-se a transação para a concessão de descontos dos débitos inscritos em dívida a critério da União, desde que classificados como irrecuperáveis ou de difícil reparação e desde que inexistentes indícios de esvaziamento patrimonial fraudulento.
Poderá o instituto ser utilizado, ainda, para definição de prazos e formas de pagamento (inclusive diferimento e moratória) e oferecimento, substituição e alienação de garantias e de constrições.
É vedada a transação para redução do montante principal do débito inscrito em dívida ativa, assim como para as multas de 150% por sonegação, fraude ou conluio. Créditos do SIMPLES, FGTS e não inscritos em dívida ativa da União não poderão ser parcelados nesta primeira modalidade.
A quitação poderá se dar em no máximo 84 meses e a redução poderá ser de no máximo 50% do valor total dos créditos a serem transacionados.
A proposta de transação não suspende a exigibilidade do crédito tributário (com exceção da transação que envolva moratória ou parcelamento) nem o andamento das execuções fiscais, mas podem as partes por convenção decidir pela suspensão do processo.
A aceitação da transação pelo contribuinte constitui confissão irretratável e irrevogável da dívida.
Ocorrerá rescisão no caso de descumprimento das condições dos compromissos assumidos; no caso de constatação de ato tendente a esvaziamento patrimonial para fraudar o cumprimento da transação (ainda que anterior à celebração); e a falência ou liquidação do devedor. O contribuinte será intimado nestas hipóteses para regularização ou apresentação de impugnação administrativa.
Por fim, para esta modalidade, ato da PGFN ainda definirá, dentre outros pontos, se haverá condicionamento da transação ao pagamento de entrada e apresentação de garantia (ou sua manutenção). Ainda, poderá a PGFN estabelecer critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, parâmetros para comprovação do insucesso na cobrança ordinária da dívida e a capacidade contributiva do devedor.
A segunda modalidade consiste na transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica. A proposta deverá partir do Ministro da Economia com base em manifestação da RFB ou PGFN e será amplamente divulgada mediante edital, que definirá as exigências a serem cumpridas, reduções e concessões oferecidas, prazos e formas de pagamento.
Não poderão ser objeto desta modalidade débitos do SIMPLES e FGTS, devendo, ainda, observar-se o limite de quitação em no máximo 84 meses.
A adesão só poderá ser feita por meio eletrônico e se constatada a existência, na data da publicação do edital, de (i) ação judicial; (ii) embargos à execução fiscal; (iii) recurso administrativo pendente de julgamento definitivo.
A adesão impõe renúncia a quaisquer alegações de direito nos processos judicial e administrativo, atuais ou futuras, que tenham por objeto os créditos incluídos na transação e abrange todos os litígios relacionado à tese.
A apresentação da solicitação suspende a tramitação dos processos administrativos respectivos, mas não suspende a exigibilidade do crédito tributário.
É vedada a celebração de nova transação relativa à mesma controvérsia jurídica objeto de transação anterior, com o mesmo sujeito passivo.
Veda-se, também, a oferta de transação por adesão nas hipóteses do artigo 19 da Lei nº 10.522/02[1], quando o ato ou jurisprudência for desfavorável à Fazenda Nacional. Há vedação também nas hipóteses dos incisos V e VI do mesmo artigo quando a jurisprudência for favorável à União.
A transação poderá ser rescindida se inobservadas as condições da MP ou do edital, se contrariar decisão judicial definitiva prolatada antes da celebração da transação, se comprovada corrupção, prevaricação ou concussão, e, ainda, se caracterizado dolo, fraude, simulação ou erro essencial quanto à pessoa ou objeto do conflito.
A adesão não autoriza restituição de quantias pagas, compensadas ou parceladas antes da celebração da transação.
Feitos tais esclarecimentos, a transação tributária – há décadas esperada – é importante ferramenta de diálogo entre contribuinte e Fazenda Nacional, colaborando para um ambiente resolutivo de litígios com maior agilidade em situações, por exemplo, de jurisprudência consolidada.
Todavia, é necessário que se aguarde, além da aprovação da medida, a sua regulamentação, quando diversos pontos serão esclarecidos, especialmente aqueles relacionados ao estabelecimento de critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, parâmetros para comprovação do insucesso na cobrança ordinária da dívida e a capacidade contributiva do devedor.
[1] Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre: (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
[…] V – tema fundado em dispositivo legal que tenha sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso e tenha tido sua execução suspensa por resolução do Senado Federal, ou tema sobre o qual exista enunciado de súmula vinculante ou que tenha sido definido pelo Supremo Tribunal Federal em sentido desfavorável à Fazenda Nacional em sede de controle concentrado de constitucionalidade; (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
VI – tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)